Esse é tempo de mortos faladores, de símbolos obscuros que se multiplicam.
É tempo de divisas, tempo de gente cortada. De mãos viajando sem braços.
Tenho palavras em mim que se perdem: numa casa que se entra e logo se emaranha. Numa escuridão estendida, não eliminável, que conduz à rua de minha infância, logo esquecendo-a.
Finda-se um mundo no qual as narrativas valem tanto quanto sua verdade. Sua forma e conteúdo, ludibriando-nos enquanto substâncias, esmiúçam fonte de sonhos e futuros possíveis. Caminhamos atordoados, pressionados por todos os lados. A ópera regida entoa num canto mórbido, cuja solidez espanta.
A materialidade do destroço é intrínseca na realidade. Explícito para nós, cada vez mais, é o descaso com as coisas. As coisas, porém, talvez melhorem. Como são forte as coisas. Mas nós não somos coisas, roucos e cansados, comprimidos por tanto tempo, enfraquecemos nossos sentidos, querendo agora explodir.
O bedelho está aí para ser visto. Privacidade é fato passado (é vapor barato). Sua necessidade é póstuma, tal como nós. Suas reminiscências fazem valer: no campo isolado da vida, no pensamento distante, que nem ousava estar aqui. No beco, no céu da propaganda: lá há liberdade. No quarto, no muro, na cidade escondida, destes céus que caem constantemente, nos machucam e permeiam o acaso: resta o pouco.
E essa escassez é notável. O pouco que resta, valorizado, dá apenas para menos ainda. Resta para os pífios, que não fazem valer. Uma vida restrita, limitada pela tradição, pouco experimentam para além do que seus pais já experimentaram. Escutam apenas a hora formidável do almoço, sentam-se lânguidos, olham fixamente para seus pratos. Temem errar a postura, o levar do garfo à boca e sua posição no prato. Temem pelo segredo desvairado, escondido às pressas, mantido sob sete chaves de plástico.
Escutam o mínimo, e disso já se cansam. Não escutam a pequena hora noturna da compensação. Nem reconhecem a falsificação das palavras pingando nos jornais. Homem depois de homem, mulher, criança, cigarros e roupas entram apagados já na noite, nos porões da família crianças alérgicas à mudança reúnem-se na guerra às baratas.
Vi os melhores da minha geração perderem-se pelo uso desenfreado da felicidade atônita, que gatuna trai o bem intencionado, assassinando o bem querer. Disso restou pouco, o pouco que carrego infeliz. Toda pedra solta no caminho guardei no bolso, trago comigo o próprio trago do destino. De resto, não me importo, é pouco.
Hoje perco quase tudo Daquilo que resta Sensatez, humildade, perdão Talvez não são mais E nunca quiseram ser Partes essenciais Substância, conteúdo, forma Compõem a vida Fases, alhures narrativas Vão e vem, vazias ondas e ventos Se acabam aqui e Sempre continuarão