Tento escrever faz trinta minutos. Começo e recomeço a mesma linha de pensamento que, no fim de cada linha, volta a não dizer nada. Queria ter clareza nestes momentos e prosseguir com a mesma energia que leio meus livros. Não consigo, por incompetência ou a falta dela, mas sigo no mesmo erro, que me prometeu algum retorno após um dado número de tentativas.
Falho também ao descrever minha situação. Faltam sempre uma ou duas características que comprovariam tal e tal fato. Desaguo num breu encapsulado, que me conforta pela sua inexistência.
Termos que antes eu utilizava para compor minha escrita fogem da minha razão. Conectivos, adjetivos, palavras bonitas como 'paradoxo', prestam apenas à insuficiência, que nunca deixará de me cobrar, ponto por ponto, parágrafo por parágrafo.
Talvez seja a música que toca no momento e me distrai. Escrever sem uma trilha, porém, é estático demais. Geralmente escuto um jazz se pretendo me expressar com mais rapidez. Às vezes um Beatles serve para estados em que meu espírito tende ao cuidado com minhas palavras. Se quero escrever sobre política, filosofia, economia, não escuto nada. Escuto o desenrolar do meu raciocínio, que conectando logicamente meus pontos me prende ao texto presente. Ficar sem música, nesses dias cheios, sem tempo para algum para procrastinar e olhar para o teto, é chato em demasia.
O problema se endereça noutro nível se eu aceito o parágrafo passado. Se eu preciso de música nesses dias, quiçá meu cérebro não esteja aceitando o silêncio como deveria. Faço sempre essa autocrítica e, por sempre fazer, não me respondo como deveria. Sou novo demais para ter esse tipo de conclusão e por isso jogo para frente a resolução definitiva desta problemática.
Gosto cada vez mais de olhar para o céu, acompanhando os aviões que passam entre as nuvens. De noite eles acendem suas luzes e, em dias escuros, é possível entrever suas passagens pela iluminação no céu. Como é bonito presenciar isso. Vejo também o por do sol, tenho a sorte de conseguir acompanha-lo do meu quarto. Todo dia ele dá tchau sensacionalmente. Todo dia é um espetáculo vê-lo cair para o outro lado da Terra. Não compreendo como os terras planistas analisam esse fato, mas não compreendo muita coisa nesse mundo, então essa é apenas mais uma delas.
Tenho aproveitado momentos em que estou rodeado por pessoas. Rodeado num nível absurdo, como numa rodoviária. Fico parado, sem fone, sem mexer no celular, parado e contemplando a vida alheia. Alguns passam rápido, sem olhar para os lados, querem apenas chegar a sua destinação, da maneira mais rápida e curta possível. Outros sentam nas cadeiras, abrem livros ou ficam no instagram, lógico que sem fones de ouvido, talvez pensem que todos querem escutar o áudio de seus celulares. Outros, como eu, estão ali esperando por algo, entram nas lojas de conveniência, livrarias de rodoviária, cuja seleção de pockets, da última vez que eu vi, me impressionou: Bukowski, Freud e Eduardo Galeano lotam as prateleiras. O nível intelectual brasileiro está aumentando, posso afirmar.
O silêncio me comove. Não gosto de gastar minhas palavras. Sigo o ensinamento bíblico, o primeiro deles: antes de tudo havia o verbo. Palavras são sagradas, significam tudo para a vida humana. São símbolos do que somos e, portanto, não deveriam ser gastas com besteiras. Bobagens, fofocas, difamações, xingamentos, ofensas, todas essas são complementares ao sentido da vida, não precisamos dela, qualitativa ou quantitativamente. Hegel disse que, dado um nível, o quantitativo se torna qualitativo e, para mim, o mínimo de besteira já acaba com meu dia.
As pessoas porém preferem essas atividades. Vulgares na essência. Fáceis de serem compartilhadas. Acomodadas no simplório.
Não tenho raiva. Não sinto a necessidade desse sentimento. É gatuno demais, age de maneira rasteira. Se a sua intenção é desmoralizar o próximo, condecorá-lo com o mal, rebaixá-lo à posição subhumana, saiba que a forma própria para isso não é ofende-lo, nem desmancha-lo. A crítica é a única saída para esses casos. O objeto da crítica é seu inimigo que, já refutado, deve ser destruído. A crítica precisa de uma base racional para existir e, portanto, todo argumento é medido cautelosamente para que seja legítimo. A legitimidade pressupõe a queda de todo o resto ignóbil. Marx que disse isso, e eu concordo profundamente com sua afirmação.
Concordo com Marx na maioria de seus ditos. Sua análise da Economia Política de seu tempo, sua crítica à Economia Política de seu tempo, deve ser entendida exatamente como ele coloca: o objeto da crítica é seu inimigo, que deve ser destruído. Uma vez que ele escreve O Capital, a teoria político-econômica da burguesia do século XIX acabou. Não há espaço para questionar se isso ou aquilo está errado; a única forma de responder a crítica é critica-la, e os ideólogos do capitalismo monopolista não conseguem fazer isso.
O avanço do capitalismo monopolista, no começo do século XX, desmontou os alicerces da filosofia racionalista europeia. A velocidade pela qual se davam as mudanças no campo social, econômico e político já não respondiam às insígnias do tempo feudal. Tudo se alterava muito rapidamente e o pensamento, neste meio, podia apenas tentar apreender a realidade.
De uma forma ou outra, tanto as belas artes quanto as ciências fizeram seu trabalho: seja no fluxo de consciência exposto por Joyce, Woolf e Faulkner; seja na resignação de Hesse ou no fatalismo de Mann. Seja também na sociologia Weberiana, enclausurada no desencantamento humano; seja na proposição do direito fascista de Schmitt, no alheamento à realidade pelos economistas neoclássicos, cujos expoentes iam de Marshall à Pigot.
A crítica, tal como movimentos revolucionários, sofria represálias de todos os lados. A burguesia, ascendida após séculos de lutas contra a nobreza absolutista, agora defendia seus interesses e se alinhava com movimentos reacionários, isso em todas as facetas da vida humana. Por isso o racionalismo de Popper já dirá em seu nome: A Sociedade Livre e seus inimigos; livro no qual até Platão se torna um defensor do fascismo, para ser repreendido. Seja em outro tipo de resignação, semelhante à de Hesse, pela figura de Wittgeinstein, que dirá, em uma de suas investigações filosóficas, que tudo aquilo essencialmente humano não é racional e, portanto, não deve ser dito. Emoções, comoções, confronto à injustiça social, todas fazem parte de um mesmo grupo, dito irracional e, portanto, apagado do campo filosófico.
Uma volta à Marx, já feita e repetida no último século, deve ser definitiva no século XXI. Volta ao método marxista crítico. Volta à rigorosidade exposta por Marx e Engels em meados do século XIX. Volta a uma filosofia verdadeira, que não só interpreta o mundo mas entende como muda-lo para melhor, para uma realidade menos alienada, para uma sociedade mais justa. Não advogo pelo socialismo revolucionário, mas pela melhoria da vida humana, da condição de ser humano virtuosamente expressa pelo liberalismo clássico.